Portela e Império Serrano: o clamor de Madureira

Foto: Montagem

Por Hélio Ricardo Rainho (SRZD Carnaval)

Não era, historicamente, Madureira a "Capital do Samba"? Fervente de um sol que frita o asfalto e efervescente de um espírito artístico que ousa até mesmo desabrochar sob um viaduto, o suburbio de Madureira sempre foi uma referencia de manifestações culturais e de uma área comercial próspera que, curiosamente, não se refletiu em infraestrutura ou poder aquisitivo de seus próprios moradores.

Com tudo isso, Madureira possui dois dos mais prodigiosos e refulgentes celeiros de glórias da memória da música e da cultura nacional: as catedrais de samba Portela e Império Serrano. As duas escolas de samba possuem, juntas, 30 títulos do carnaval carioca. Considerando que nenhum outro bairro possui uma vocação tão soberana para vencer carnavais, Madureira deveria ser razão de orgulho e de muitas honrarias, mesmo estando tão esquecida dos pódios de glória como estão.

É relevante considerar que essas duas belas escolas, de histórias extraordinárias nas páginas de ouro do samba, encontraram um jeito de se aproximarem territorialmente mas, embora com suas quadras em Madureira, possuem, cada uma, um elo com um bairro equidistante. A Portela enviesa seu território de Madureira para Oswaldo Cruz, enquanto o Império faz esse elo ligando Madureira a Vaz Lobo, onde mais especificamente se situa a Serrinha.

Mas é em Madureira, nesse solo fértil de frutificação cultural, que as calçadas de pedras se enchem, que as boates acendem e apagam luzes, que o funk impera nos morros e o charme sacode o Viaduto Negrão de Lima. Nessa espécie de "África do subúrbio", cuja história recente também agregava uma rua inteirinha de blocos afro (a rua da Portela, por sinal), florescem os dois celeiros de samba e paixão que são a Águia e a Coroa Imperial.

De todas as grandes escolas de samba, do chamado "grupo das grandes", Portela e Império foram as duas maiorais que mais dificuldade tiveram com os tempos de modernização e de tranculturação dos novos desfiles. Logo elas, soberanas dessa arte que é a inovação, marcadas em seu percurso histórico por terem inventado e reinventado uma série de quesitos e de artifícios do carnaval! Tornaram-se vitimas de cobranças impostas pelos "novos sentenciadores", acossadas pela necessidade de mudança, coagidas a trocarem seus valores por novos padrões impostos pelas gestões ao que se intitulava "competitividade". Lembro-me da Portela, em finais dos anos 80, resistindo bravamente aos jurados calculistas que insistiam em penalizar sua comissão de frente formada pela Velha Guarda gloriosa da escola, taxando-a de "ultrapassada"... jurados cegos ignorando que foi ela, a própria Portela, quem criou o segmento, o quesito, o ‘ganha-pão" de quem, naquele momento, a lesava por não querer mudar. Cansada do ultraje, decidiu mudar sua estratégia e usar o mesmo recurso das comissões das outras.

Atrevo-me a dizer que, das duas, a Portela ainda conseguiu parecer-se um pouco mais com as outras atuais. Mesmo ainda em busca de uma identidade competitiva, já tem uma cara menos tradicional, mais moderna. Deve ser por isso que, todos os anos, independente do grupo em que está, meu coração portelense procura ansiosamente os desfiles do Império Serrano, porque acredito que, até mesmo na sua luta árdua para voltar a seu lugar de direito, é ela - a escola da Serrinha - a última escola de samba de direito e de fato, mais parecida com os desfiles antológicos e inesquecíveis de antigamente.

Foi ele, o Império Serrano, quem deu na avenida um dos mais lindos banhos de nostalgia e classe, quando desfilou em 2004 sua reedição da "Aquarela Brasileira".

Naquele ano, o Império deu a sua aula magistral: foi a última vez que se viu uma escola de samba desfilar com olhos marejados, com gente suando e chorando ao mesmo tempo, com um samba de envergadura fascinante como só o mestre Silas de Oliveira poderia proporcionar, com um contágio absurdo das arquibancadas numa emocionante viagem de volta a um tempo em que a vitória vestia verde-e-branco e levantava a avenida!

Naquele ano, com sua reedição, o Império Serrano lavava a alma da avenida e dizia: "o samba voltou, o chão de escola não morreu, a coroa imperiana é de ouro maciço"! Foi como se a escola abrisse seu vultoso porta-jóias e derramasse na avenida a riqueza de seus pertences, expondo sua riqueza não no luxo ou na ostentação, mas na força de sua simplicidade.

Lamentavelmente a escola que venceu o Estandarte de Ouro não sensibilizou os corações de pedra dos jurados descarnavalizados, que preferiram apelar para o "carnaval de resultados", na métrica cartesiana da mensuração "quesito a quesito". Penalizaram suas fantasias, seus adereços, sua plasticidade. Com isso, distanciaram-na das demais. Esqueceram, porém, de fazer-lhe a justiça devida e distanciar seu samba incomparável dos outros com a mesma lógica de pontuação.

É nessas lembranças que reacende o verde-esperança de que o Império Serrano, hoje comandado por um menino iluminado com nome de rei, o presidente Átila, retomará seu lugar devido e trará novas lições de samba para o nosso carnaval.

Assim como a veterana e gloriosa Portela, fortalecida em seu enredo sobre a Bahia pela presença eterna e catalisadora de forças da guerreira Clara Nunes, volta renovada e feliz para a Sapucaí 2012 prometendo lembrar ao seu séquito fiel que as tradições sobrevivem... nem que seja nos olhares opacos de seus veteranos baluartes, aqueles mesmos que desafiaram a razão e o tempo cantando: "estamos velhos, mas ainda não morremos"!

E é nesta visita memorável, por meio das linhas deste texto, a estas duas glórias do samba, que a história de Madureira se faz prevalecer como reduto e capital do samba!
Portela e Império Serrano: o clamor de Madureira Portela e Império Serrano: o clamor de Madureira Reviewed by Joseclei Nunes on 11:53 Rating: 5

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